quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Capítulo 26 ‘Já não posso voltar a trás’



Tinha que me mentalizar: era aquilo que eu queria, foi aquela a minha escolha, e sobretudo seria melhor para a minha filha. Não queria, ou melhor, não podia arrepender-me. Neste momento o futuro da minha filha estava nas minhas mãos. Edward já tinha concordado e apenas esperava pela minha resposta. Se eu tomasse a decisão errada…
Apenas eu, Edward e Carlisle subimos as escadas, onde já se conseguia ouvir a respiração pesada de Renesmee do andar de cima. Ao cimo das escadas reparei num pseudo consultório à minha direita, parecido com o que montaram na casa de Forks quando eu estava grávida. Não tinha tantos instrumentos como na altura, mas mesmo assim tinha suficientes para me trazer aquelas memórias de volta.
Edward olhou para mim, para o fundo dos meus olhos deixando-me hipnotizada. Percebi que ele estava a tentar perceber o que é que eu estava a pensar. Facilitei-lhe a tarefa e retirei o escudo, mostrando-lhe que me estava a lembrar de quando estive grávida. Ele estremeceu ligeiramente ao ver as imagens que passavam pela minha cabeça.
- É só para prevenir. – disse ainda abalado com as lembranças que passava na minha cabeça. Aquele tinha sido um período negro para os dois e mesmo para o resto da família.
Não era que precisasse que Edward me dissesse aquilo, mas por alguma razão fez-me sentir mais segura. Claro que não queria que fosse necessário usar aquilo tudo, mas era melhor que ali estivessem.
- Vou buscar os comprimidos. – disse Carlisle enquanto se evaporava para onde estava montado o consultório. Num segundo estava de volta. Era estranho ver Carlisle usar a velocidade vampírica, já que esforçava tanto para manter a aparência humana, e de todos nós era o que o fazia melhor e com maior naturalidade.
Carlisle estendeu-me um copinho de plástico com três comprimidos. Dois deles eram iguais pelo que supus que fossem aqueles que fariam com que Renesmee esquecesse tudo. Mas e o outro? Seria a morfina que eu e Carlisle tínhamos falado? Nunca a tinha visto em comprimidos…
- É um comprimido para dormir – disse Edward respondendo aos meus pensamentos.
- É importante que ela durma durante todo o processo. – continuou Carlisle apercebendo-se do tema da conversa. – Irá-lhe ser administrada morfina por fia intravenosa depois de tomar os comprimidos, o que também a ajudará a dormir.
Acenei com a cabeça uma vez. Estava tudo pronto, tudo planeado. Agora só tinha que convencer Renesmee a tomar aqueles comprimidos, e para isso teria que mentir. Não gostava de mentir e não era boa nisso. Tinha vindo a melhorar, mas nada comparado com os anos de prática de Edward. Era isso que receava. Que Renesmee percebesse que eu estava a mentir e exigisse uma explicação. E essa, eu não lha poderia dar.
- Queres que eu faça isso? – perguntou Edward depois de ler os meus pensamentos.
- Não. – respondi simplesmente. Se tinha sido forte o suficiente para tomar aquela decisão, também ia ser forte para a concretizar. Iria ser forte e mentir à minha filha e fazer com que ela tomasse aqueles comprimidos. Instintivamente apertei o pequeno copo com os comprimidos na minha mão. Analisei-os mais uma vez.
‘Está na hora de cresceres!’ – pensei para mim mesma. ‘Já não és uma adolescente temperamental que a única coisa com que tens que te preocupar é em tirares notas decentes e chegar a casa a horas para não ouvires um sermão do teu pai. Agora tens responsabilidades! Agora és adulta! Não mais aquela humana com as emoções descontroladas. Agora és Isabella Cullen. Casada com o homem dos teus sonhos e mãe da menina mais linda e amorosa à face da terra. Está na hora de te controlares e recompores! Tens que te portar como a vampira adulta que és!’ – expirei pesadamente.
Quando acabei de dar um sermão mental a mim mesma reparei que Edward sorria levemente. Ele tinha estado a ouvir claro. Sorri-lhe envergonhadamente e subi em passadas pesadas as escadas que davam acesso ao nosso pequeno paraíso e dirigi-me ao novo quarto de Renesmee criado e decorado especialmente para ela.
Abri a porta com muito cuidado para não acordar Renesmee à bruta. O seu odor estava espalhado por todo o quarto. Entranhado em tudo. Odor de humano misturado com aquela fragrância doce que eu tanto adorava e esperava à noite para a ter no meu quarto quando ainda era humana. Agora tudo tinha mudado e estava prestes a mudar mais.
Aproximei-me da cama e reparei melhor em Renesmee. Estava encolhida e ligeiramente descoberta. Sentei-me na sua cama e inalei o seu cheiro. Era apetitoso, tinha que admitir, ainda para mais com o odor vampírico misturado. Tinha a certeza que qualquer vampiro a acharia ainda mais apetitosa que um humano. Mas não para mim. Claro que o autocontrole é difícil de adquirir, e mesmo tendo-o ele pode sempre quebrar, mas quando se trata de uma pessoa que amamos tanto deixamos de permitir ao nosso corpo aprecia-lo.
A pequena mão de Renesmee estava enrolada em volta de qualquer coisa perto do seu pescoço. Toquei-lhe levemente na mão o que fez com que ela a recuasse ligeiramente devido ao toque frio, permitindo-me ver claramente o que estava entre os seus dedos. O colar que Jacob lhe oferecera, onde um bonito lobo esculpido em pedra castanho ferrugem pendia, estava a ser agarrado de novo com toda a força de Renesmee. Será que está a sonhar com ele? Renesmee ainda não tinha falado nele desde que chegamos, mas sabia que já tinha pensado nele.
A minha curiosidade falou mais alto e coloquei a minha mão à volta da sua que agarrava o colar ainda com mais força. Sim. Renesmee estava a sonhar com Jacob. Agora na minha mente passavam imagens deles a rirem e a conversarem a grande velocidade, até que uma imagem estagnou. Aí Renesmee e Jacob, transformado em lobo, corriam lado a lado pela floresta, provavelmente para irem caçar. Renesmee estava com um sorriso radiante na cara enquanto olhava para uns olhos castanhos derretidos que a olhavam de volta. Se ainda fosse humana esta imagem deixar-me-ia com as lágrimas nos olhos.
Sem me dar tempo de me recompor, outra imagem assaltou a minha mente através da minha mão fria. Desta vez estavam na praia de La Push, onde Jacob estava deitado sobre a areia escura e Renesmee encostada ao seu dorso enquanto passava os seus dedos pelos pêlos grossos e castanhos do focinho que estava pousado sobre as suas pernas.
Uma imagem maravilhosa. Uma lembrança fantástica. Uma memória que ela ia esquecer. Era isto que me ia custar. Fazer com que ela nunca mais tivesse estes sonhos lindos com o seu melhor amigo. Será que tinha coragem para isto? Talvez… Tinha que ter. Mas talvez não tivesse.
Subitamente a imagem de Renesmee e Jacob na praia de La Push desapareceu. Olhei para a cara de Renesmee e vi uns olhinhos castanhos a piscarem cheios de sonho a olharem para mim.
- Mãe! – disse sobressaltada mas também aliviada.
Senta-se na cama e esfrega os olhos numa tentativa de fazer com que o sono se vá embora, sem nunca tirar os olhos de mim.
– Já estás em casa! Estás bem?
- Não te preocupes querida. Eu estou bem – tranquilizei-a com um sorriso. E as mentiras já começavam… - Fui dar um passeio e não avisei. Desculpa. – Renesmee pareceu descontrair.
- O papá estava muito preocupado e eu também. – disse Renesmee ao abraçar-me.
Aquele abraço… Mais um abraço que ela não se vai lembrar. Mais um momento que ela vai esquecer. Só quero que isto acabe de uma vez! Isto está a dar cabo de mim!
Desfiz o abraço demasiado rápido o que fez com que Renesmee olhasse para mim surpreendida. Não queria estar ali abraçada a ela quando lhe ia destruir a vida. Não queria mais ser hipócrita.
Rapidamente lhe estendi o copinho com os comprimidos que ainda segurava na minha mãe esquerda, ao mesmo tempo que pegava também no copo de água que estava pousado sobre a sua mesa-de-cabeceira.
- Toma isto. – disse-lhe sem olhar para ela, apenas com os olhos postos nos pequenos comprimidos que pareciam tão inofensivos…. Ao reparar que Renesmee não se mexia olhei para ela. Estava com cara desconfiada e também lhe podia distinguir uma pontada de medo. Claro que estava com medo. Apareço aqui no meio da noite, sentada na sua cama a ver os seus sonhos após ter desaparecido durante horas, não lhe explico o que aconteceu, quebro o nosso abraço à bruta e ainda lhe estendo três comprimidos na esperança que ela os tome sem fazer perguntas. Mas quem é que eu quero enganar? Ela nunca faria isso. Solução: mentir. – Estavas a tossir, não reparaste? Até pensava que estavas acordada e vim ver se estavas bem, mas afinal estavas a dormir. Toquei-te para ver se estavas quente. Bem, mais quente do que o habitual e acordaste. Desculpa, não era minha intensão. Deves estar a ficar doente. O clima aqui é mais frio e não estás habituada. Sabes que eu sou fria e não quero que piores. – disse tudo de rajada e menti em cada palavra que disse, sempre a olhar para os olhos dela. Olhava-me com atenção para tentar perceber o que eu dizia e a assimilar tudo. – Toma estes comprimidos. O avô diz que amanhã estarás como nova. – nem ela sabia o quanto isto era verdade… Sorri no fim para a incentivar a tomá-los. Renesmee agarrou no copo dos comprimidos e olhou para eles.
- Não sabia que podia ficar doente… Sou mesmo esquisita, mãe. – também ela sorriu ao dizer isto. Renesmee sabia que era diferente, mas até gostava. – São precisos estes todos?
- A tua parte vampírica dá luta, sabias? – tentei fazer uma piada com aquilo, o que não saiu muito bem, mas Renesmee sorriu, o que era bom. - Precisas de uma dose mais elevada.
Dito isto fiquei a olhar para ela à espera que os tomasse. Renesmee assentiu com a cabeça e pegou num dos compridos e meteu à boca, seguido de um golo de água. Fez isto com os restantes e acabou com a água que restava no copo. Estava feito. Não havia maneira de voltar atrás.
- Vou-te buscar mais água. – disse deitando-a novamente e cobrindo-a. – Já volto. – dei-lhe um beijo na testa, peguei no copo vazio e saí.